Digital Twins: o salto de mentalidade nas usinas solares
- Telma Meneghette Bassan

- 23 de set.
- 7 min de leitura

1. Introdução – O pós-Intersolar 2025 e o novo olhar sobre gestão
Neste artigo, quero compartilhar como os Digital Twins representam não apenas uma inovação tecnológica, mas um verdadeiro salto de mentalidade na gestão de usinas solares. Vamos analisar onde o modelo tradicional encontra seus limites, o que torna o Digital Twin diferente de simples sistemas de monitoramento, e quais são os impactos diretos para investidores e operadores que adotam essa nova forma de gerir ativos. Antes de entender o potencial transformador dos Digital Twins, é importante revisitar o cenário atual. Como ainda se conduz a gestão de O&M na maioria das usinas? Quais são os gargalos e limitações de um modelo baseado em alarmes, relatórios manuais e decisões reativas? É justamente nesse contraste que fica evidente a necessidade de mudar a mentalidade.
2. O modelo tradicional e suas limitações
Na maior parte das usinas solares, a operação e manutenção ainda seguem um modelo reativo. O processo é conhecido: um alarme dispara, a equipe verifica os dados, e só então uma ação corretiva é tomada. Embora seja a prática mais comum no setor, esse modelo mostra claras limitações quando aplicado a plantas de grande porte.
Esse modo de operar gera um efeito em cascata: problemas pequenos não são identificados no início, tornam-se falhas maiores e acabam impactando diretamente a geração de energia. O resultado são perdas financeiras significativas para os investidores, muitas vezes invisíveis nos relatórios tradicionais.
A situação se agrava com a dificuldade de lidar com plantas cada vez maiores. Usinas que ultrapassam centenas de megawatts demandam uma gestão muito mais robusta, onde a análise manual de dados e o simples acompanhamento de alarmes não são suficientes para garantir eficiência.
Esse dilema já foi tema de um dos meus artigos anteriores: “Por que muitos sistemas de monitoramento solar não entregam o prometido”. O ponto central é que, embora o monitoramento seja necessário, ele por si só não garante performance. É essa lacuna que os Digital Twins vêm preencher.
3. O que são Digital Twins – mais que dados, uma réplica viva da usina
Um Digital Twin é muito mais do que um painel de monitoramento. Trata-se de uma réplica digital da usina, capaz de simular em tempo real o comportamento de cada componente, prever cenários futuros e identificar ineficiências antes que elas se transformem em perdas financeiras.
Enquanto um dashboard tradicional se limita a mostrar dados históricos e alarmes já ocorridos, o Digital Twin projeta o que está por vir. Ele permite não apenas enxergar o desempenho atual, mas também entender como a usina deveria estar operando em comparação ao seu potencial real.
Um bom exemplo disso é a cascata de perdas. Em vez de um relatório denso ou disperso em diferentes planilhas, o Digital Twin apresenta de forma clara onde estão as perdas totais, quais são incontroláveis e, principalmente, quais são controláveis. Essa visualização simples permite que gestores e investidores tomem decisões rápidas e assertivas, sem a necessidade de interpretações complexas.

Na prática, isso significa transformar dados em insights acionáveis: otimizar a performance, antecipar falhas e apoiar decisões estratégicas de O&M. É a diferença entre olhar o retrovisor e ter acesso a um simulador avançado capaz de guiar o caminho à frente.
Esse tema já foi aprofundado em um dos meus artigos anteriores: “Digital Twins: a revolução silenciosa que está transformando a gestão de usinas solares”. Mas hoje, mais do que explicar a tecnologia, é hora de reforçar que o grande desafio está em adotar a mentalidade Digital Twin: pensar a usina como um organismo vivo, que precisa ser compreendido e gerido de forma proativa.
4. Da gestão reativa à inteligência em tempo real
A verdadeira mudança que os Digital Twins trazem não está apenas na tecnologia, mas na mentalidade. Trata-se de abandonar o retrovisor e adotar um cockpit avançado, capaz de antecipar riscos, simular cenários e apoiar decisões estratégicas em tempo real.
Do olhar para o passado → para prever o futuro. Enquanto os relatórios convencionais se baseiam em médias históricas, os Digital Twins trabalham com dados em tempo real, permitindo prever o desempenho futuro da usina com base em condições atuais e projeções inteligentes.
Da correção de falhas → para decisões estratégicas em tempo real. Em vez de esperar que o problema aconteça para depois corrigi-lo, os operadores passam a atuar de forma preditiva, evitando que falhas se transformem em perdas financeiras significativas.
Da gestão de alarmes → para gestão de cenários. O operador deixa de reagir a cada alerta isolado e passa a contar com uma visão de cenários completos, entendendo não só o que está acontecendo, mas também as consequências e alternativas possíveis.
Imagine uma usina de 100 MW que, no modelo tradicional, só percebe uma queda de performance quando o relatório mensal mostra que a geração ficou 3% abaixo do esperado. Os engenheiros analisam os dados históricos, identificam que parte das perdas veio de falhas intermitentes nos inversores e só então iniciam a correção. Resultado: milhões já foram perdidos.
Agora, pense na mesma usina operando com um Digital Twin. A plataforma identifica em tempo real que a performance de um grupo de inversores está abaixo do previsto para as mesmas condições de irradiância. Em vez de apenas disparar um alarme, o sistema projeta cenários: se nada for feito, a perda pode chegar a X MWh no mês; se a manutenção for adiantada, o impacto cai para quase zero. A decisão, antes reativa, agora é estratégica e imediata.
Esse é o salto: de simplesmente apagar incêndios para conduzir a usina com visão de futuro.
Essa mudança não é apenas técnica, mas estratégica para investidores e operadores: ela define quem continuará sofrendo com perdas ocultas e quem terá uma planta competitiva e rentável nos próximos anos.
No artigo anterior, “As perdas invisíveis das usinas solares: o que você não vê pode estar custando milhões”, mostrei como perdas aparentemente pequenas podem corroer o retorno de um projeto. Os Digital Twins são justamente o antídoto: eles revelam e evitam essas perdas antes mesmo que apareçam nos indicadores financeiros.
5. Impactos diretos para investidores e operadores
A adoção de Digital Twins na gestão de usinas solares não é apenas uma modernização tecnológica, mas uma transformação no resultado econômico do ativo. Para investidores, o impacto é claro: reduzir riscos e aumentar previsibilidade financeira. Para operadores, significa mais eficiência, decisões embasadas em dados e foco no que realmente gera valor.
Enquanto modelos tradicionais deixam perdas invisíveis se acumularem, os Digital Twins trazem clareza sobre onde a usina está perdendo dinheiro e como reverter essa tendência antes que o impacto seja irreversível. Isso se traduz em:
Maior geração de receita: cada MWh recuperado é faturamento adicional.
Redução de custos de O&M: intervenções passam a ser planejadas, reduzindo deslocamentos emergenciais e tempo de inatividade.
Extensão da vida útil dos ativos: decisões mais assertivas evitam sobrecarga de equipamentos e prolongam a confiabilidade da planta.
Segurança para investidores: previsões mais precisas permitem elaborar modelos financeiros robustos e reduzir incertezas em contratos e valuations.
É como comparar dirigir apenas com um mapa impresso versus usar o Waze em tempo real. O mapa mostra o caminho, mas não avisa sobre congestionamentos, acidentes ou obras. Já o Waze antecipa cenários, recalcula rotas e garante que você chegue mais rápido e com menos custo. O Digital Twin faz exatamente isso para uma usina solar: tira o operador do modo “mapa estático” e leva para uma gestão dinâmica, que antecipa riscos e mostra as rotas mais eficientes para maximizar a geração e reduzir perdas.
No fim, o impacto é tangível: o investidor deixa de perder milhões em geração não realizada, e o operador passa a ter uma gestão de alto nível, sustentada por inteligência em tempo real. O resultado é um ciclo virtuoso, mais geração, mais eficiência, mais retorno sobre o capital investido.
6. Um futuro já em construção
O movimento de integração entre IA e energia já é uma realidade global, e os Digital Twins estão no centro dessa transformação. Longe de serem apenas uma tendência, eles já estão sendo aplicados em mercados maduros como peça-chave para garantir competitividade em um setor que exige cada vez mais eficiência, flexibilidade e transparência.
No artigo anterior, “IA e BESS: Como a mesma IA da energia solar vai revolucionar seu portfólio de armazenamento”, destaquei como a Inteligência Artificial será indispensável para gerenciar sistemas híbridos que combinam geração e armazenamento. Nesse cenário, os Digital Twins assumem um papel ainda mais estratégico: não apenas otimizam a performance das usinas solares, mas também se tornam fundamentais para orquestrar a integração com BESS (Battery Energy Storage Systems).
Estamos falando, portanto, de um futuro já em construção, onde os players que adotarem essa mentalidade primeiro terão uma vantagem competitiva duradoura. Mais do que acompanhar uma inovação, trata-se de liderar o caminho.
7. Conclusão – Convite à reflexão
O verdadeiro salto de mentalidade nas usinas não está em instalar mais módulos ou contratar mais equipes, mas em transformar dados em inteligência acionável. Os Digital Twins oferecem essa virada de chave: permitem enxergar o invisível, antecipar riscos e direcionar cada decisão para aumentar a performance e proteger os investimentos.
Se você é investidor, o convite é refletir sobre como essa abordagem pode mudar a previsibilidade e o retorno do seu portfólio. Se você é operador, a reflexão é sobre como deixar para trás o modelo reativo e adotar uma gestão estratégica que libera tempo, reduz custos e eleva resultados.
O futuro das usinas solares já está sendo escrito, e a questão é: você será parte dele como espectador ou protagonista?
SOBRE A AUTORA: Telma Meneghette Bassan é executiva no setor de energias renováveis, com mais de 10 anos de experiência no setor fotovoltaico. Lidera a introdução da tecnologia de Digital Twins em parceria com a empresa canadense Quadrical.AI. Possui graduação em Engenharia Elétrica, especialização em Energias Renováveis e mestrado em Sistemas de Energia. Atua no desenvolvimento de soluções para otimizar a eficiência e previsibilidade na geração renovável.
Nota sobre este artigo: Este artigo foi produzido e revisado integralmente pela autora. A Inteligência Artificial foi utilizada principalmente na geração de imagens e organização de dados, garantindo uma abordagem mais visual e acessível ao tema. Todas as informações foram cuidadosamente analisadas para oferecer um conteúdo técnico e relevante para o setor energético.




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